- Navio Negreiro - Castro Alves - Texto integral
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1ª. estrofe |
Stamos em pleno mar... Doudo no espaço |
Embaixo o mar... em cima o firmamento... |
Brinca o luar doirada
borboleta |
E no mar e no céu a imensidade! |
E as vagas após ele correm... cansam |
Oh! Que
doce harmonia traz-me a brisa! |
Como turba de infantes inquieta. |
Que música suave ao longe soa! |
Stamos
em pleno mar... Do firmamento |
Meu Deus como é sublime um canto ardente |
Os astros saltam como espumas de ouro... |
Pelas vagas sem fim boiando
à toa! |
O mar em troca acende as ardentias |
Homens do mar! Ó rudes marinheiros |
Constelaçõ
es do líquido tesouro... |
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
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Stamos em pleno mar... Dois infinitos |
Crianças que a procela acalentara |
Ali se enfrentam
num abraço insano |
No berço destes pélagos profundos! |
Azuis, dourados, plácidos, sublimes... |
Esperai!
Esperai! Deixai que eu beba |
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?... |
Esta selvagem, livre poesia... |
Stamos
em pleno mar... Abrindo as velas |
Orquestra é o mar que ruge pela proa, |
Ao quente arfar das virações marinhas, |
E o vento
que nas cordas assobia... |
Veleiro brigue corre à flor dos mares |
Por que foges assim, barco ligeiro? |
Como roçam na vaga as andorinhas... |
Por que foges do pávido poeta?
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Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes |
Oh, quem me dera acompanhar-te a esteira |
Quem sabe o rumo
se é tão grande o espaço? |
Que semelha no mar doudo cometa! |
Neste Saara os corcéis o pó levantam, |
Albatroz!
Albatroz! Águia do oceano, |
Galopam, voam, mas não deixam traço. |
Tu, que dormes das nuvens entre as gazas, |
Bem feliz quem ali quem ali pode nesthora |
Sacode as penas, Leviatã do espaço! |
Sentir deste painel a majestade!... |
Albatroz! Albatroz! Dá-me estas asas... |
2ª. estrofe |
Que importa do nauta o berço. |
O Inglês
marinheiro frio, |
Donde é filho, qual seu lar?... |
Que ao nascer no mar se achou |
Ama
a cadência do verso |
(Porque a Inglaterra é um navio,
|
Que lhe ensina o velho mar! |
Que Deus na Mancha ancorou), |
Cantai! Que a
noite é divina! |
Rijo entoa pátrias glórias, |
Resvala o brigue à bolina |
Lembrando orgulhoso histórias |
Como um golfinho veloz. |
De Nélson e de Aboukir. |
Presa
ao mastro da mezena |
O Francês predestinado |
Saudosa bandeira acena |
Canta os louros
do passado |
As vagas que deixa após. |
E os loureiros do porvir... |
Do Espanhol
as cantilenas |
Os marinheiros Helenos, |
Requebradas de langor, |
Que a vaga Iônia criou, |
Lembram as moças morenas, |
Belos piratas
morenos |
As andaluzas em flor. |
Do mar que Ulisses cortou, |
Da Itália o filho indolente |
Homens que Fídias talhara, |
Canta Veneza
dormente |
Vão cantando em noite clara |
- Terra de amor e traição |
Versos que Homero gemeu... |
Ou do golfo no
regaço |
...Nautas de todas as plagas! |
Relembra os versos de Tasso |
Vós sabeis achar
nas vagas |
Junto às lavas do Vulcão! |
As melodias do céu... |
4ª. estrofe |
Era um sonho dantesco...
O tombadilho |
Presa nos elos de uma só cadeia, |
Que das luzes avermelha o brilho, |
A multidão faminta cambaleia, |
Em sangue a se banhar. |
E chora e dança ali! |
Tinir de ferros... estalar de açoite... |
Um de raiva delira, outro enlouquece...
|
Legiões de homens negros como a noite, |
Outro,
que de martírios embrutece, |
Horrendos a dançar... |
Cantando, geme e ri! |
Negras mulheres, suspendendo às tetas |
No entanto, o capitão manda a manobra |
Magras crianças,
cujas bocas pretas |
E após, fitando o céu que se desdobra |
Rega o sangue das mães: |
Tão puro sobre o mar, |
Outras, moças... mas nuas, espantadas, |
Diz do fumo entre os densos
nevoeiros: |
No turbilhão de espectros arrastadas, |
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! |
Em ânsia e
mágoa vãs. |
Fazei-os mais dançar!..." |
E ri-se a orquestra, irônica, estridente... |
E ri-se a orquestra irônica,
estridente... |
E da ronda fantástica a serpente |
E da ronda fantástica a serpente |
Faz doudas espirais... |
Faz doudas espirais! |
E se o velho arqueja... se no chão resvala,
|
Qual num sonho dantesco as sombras voam... |
Ouvem-se gritos...
o chicote estala, |
Gritos, ais, maldições, preces ressoam! |
E voam mais e mais... |
E ri-se Satanás!... |
5ª. Estrofe |
Senhor Deus dos desgraçados! |
Quando a virgem da cabana |
Dizei-me,
vós, Senhor Deus! |
Cisma da noite nos véus... |
Se é
mentira... se é verdade |
... Adeus! ó choça do monte!... |
Tanto horror perante os céus... |
... Adeus! palmeiras da fonte!... |
Ó mar! Por que não apagas |
... Adeus! amores... adeus!... |
Coa esponja de tuas vagas |
Depois o areal extenso... |
De teu manto este borrão?... |
Depois o oceano de pó... |
Astros! noite! tempestade! |
Depois no horizonte imenso |
Rolai das imensidades! |
Desertos... desertos só... |
Varrei os mares, tufão!... |
E a fome, o cansaço, a sede... |
Quem são estes desgraçados, |
Ai! quanto infeliz que cede, |
Que não encontram em vós, |
E cai pra não mais s"erguer!...
|
Mais que o rir calmo da turba |
Vaga um lugar na cadeia, |
Que excita a fúria do algoz? |
Mas o chacal sobre a areia |
Quem são?... Se a estrela se cala, |
Acha um corpo que roer...
|
Se a vaga à pressa resvala |
Ontem a Serra Leoa, |
Como um cúmplice fugas, |
A guerra, a caça ao leão, |
Perante a noite confusa... |
O sono dormido à toa |
Dize-o tu, severa musa, |
Sob as tendas damplidão... |
Musa libérrima, audaz! |
Hoje... o porão negro, fundo, |
São os filhos do deserto |
Infecto, apertado, imundo, |
Onde a terra esposa a luz |
/tendo a peste por jaguar... |
Onde voa em campo aberto |
E o sono sempre cortado |
A tribo dos homens nus... |
Pelo arranco de um finado, |
São os guerreiros ousados, |
E o baque de um corpo ao mar...
|
Que com os tigres mosqueados |
Ontem plena liberdade, |
Combatem na solidão... |
A vontade por poder... |
Ontem simples, fortes, bravos... |
Hoje... cumlo de maldade |
Hoje míseros escravos |
Nem são livres pra... morrer... |
Sem ar, sem luz, sem razão... |
Prende-os a mesma corrente |
São mulheres desgraçadas |
- Férrea, lúgubre serpente
|
Como Agar o foi também, |
Nas roscas da escravidão. |
Que sedentas, alquebradas, |
E assim roubados à morte, |
De longe... bem longe vêm... |
Dança a lúgubre coorte |
Trazendo com tíbios passos |
Ao som do açoite... Irrisão!... |
Filhos e algemas nos braços, |
Senhor Deus dos desgraçados! |
Nalma lágrimas e fel. |
Dizei-me vós, Senhor Deus! |
Como Agar sofrendo tanto |
Se eu deliro... ou se é verdade |
Que nem o leite do pranto |
Tanto horror perante os céus... |
Têm que dar para Ismael... |
Ó mar, por que não apagas |
Lá nas areias infindas |
Coa esponja de tuas vagas |
Das palmeiras no país, |
De teu manto este borrão?... |
Nasceram crianças lindas, |
Astros! noite! tempestades! |
Viveram moças gentis... |
Rolai das imensidades! |
Passa um dia a caravana |
Varrei os mares, tufão!... |
6ª. estrofe |
E existe um povo
que a bandeira empresta |
Tu, que da liberdade após a guerra, |
Pra colorir tanta infâmia e cobardia!... |
Foste hasteado dos
heróis na lança, |
E deixa-a transformar-se nessa festa |
Antes te houvessem roto na batalha, |
Em manto impuro de bacante fria!...
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Que servires a um povo de mortalha!... |
Meu Deus!meu Deus! mas que bandeira é esta, |
Fatalidade atroz que a mente esmaga! |
Que impudente na gávea tripudia?!... |
Extingue nesta hora o brigue imundo |
Silêncio!... Musa! chora, e chora tanto |
O trilho
que Colombo abriu nas vagas |
Que o pavilhão se lave no teu pranto!... |
Como um íris no pélago profundo! |
Silêncio!...
Auriverde pendão de miha terra, |
Mas é infâmia demais!... Da etérea plaga |
Que a brisa do Brasil beija e balança |
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! |
Estandarte que a luz do sol encerra |
Andrada! arranca esse pendão dos ares! |
E as promessas divinas da esperança... |
Colombo! fecha a porta dos teus mares! |